Meu avô Waldemar tinha uma memória muito boa. Sempre me lembro da riqueza de detalhes que ele me contava sobre os fatos da vida dele. Eram histórias que me entretinham, em especial quando estávamos na praia, em Peruíbe, jantando, ou sentados na varanda. Contava de sua juventude na Lapa, os casos envolvendo a Portuguesa, seu time do coração e muitas piadas, das quais infelizmente me lembro apenas de uma pequena parte.
Hoje questiono se, além de ter boa memória, meu avô efetivamente estava presente em cada situação, sem distrações, sem rouba-tempos, atento a cada instante. Ele guardava tantos detalhes pois efetivamente absorveu cada momento, cada experiência, cada emoção.
Penso muito em meu avô quando falo de sabático, pois, na minha opinião, podemos ter vários pequenos momentos ou atitudes sabáticas em nosso dia a dia.
Essas vivências e histórias despertaram em mim o desejo de escrever um livro, cujo título por enquanto é Momentos Sabáticos. Como dar o pontapé inicial estava difícil, decidi passar três dias sozinho em um pequeno chalé na cidade de Joanópolis (SP), com o intuito de escrever o que viesse, porém sem expectativas, apenas disponível. Foram dias em que aprendi algumas lições.
Aceitar o que a vida nos manda
No primeiro dia, após chegar e reconhecer o lugar, com direito a uma caminhada e banho de cachoeira, comecei a escrever. Estava em um bom fluxo quando começou uma tempestade e a energia elétrica foi cortada por volta das 15h. A bateria do computador durou cerca de mais uma hora e depois morreu. Parti para a leitura por mais um período, até que escureceu. Jantei e fui dormir, ainda sem luz. Há alguns anos, essa situação me deixaria nervoso, aflito e agoniado. Nesse dia, pude entender como a vida é perfeita e nos envia o necessário que, naquele momento, era uma pausa. Nos dois dias seguintes consegui escrever bem mais do que esperava e sobre temas que não havia planejado. Coincidência? Será?
Desafie o automático
Nossa mente está cheia de crenças e ações que fazemos de forma automática, sem refletir. Desde ser despertado pelo celular literalmente em mãos poucos segundos após abrirmos os olhos; de tentar fazer diversas atividades ao mesmo tempo; de julgar sem saber os fatos; de precisar pesquisar um tema na Internet, pegar o celular e passar vários minutos fazendo outras coisas, menos aquela que precisava.
Enfim, cada um pode fazer o exercício de refletir sobre suas ações automáticas. No meu caso, aproveitei para desafiá-las nos últimos dias. De maneira consciente, sempre que o instinto de fazer algo se apresentava, eu refletia se era aquilo que precisava fazer naquele momento, antes de tomar qualquer ação. Vou tentar implementar esse novo modelo mental, mas já adianto que gostei dos resultados neste primeiro período, com diminuição de ansiedade, mais foco e melhores resultados no que havia efetivamente me proposto a fazer, mesmo que fosse não fazer nada.
Fazer uma coisa por vez
Estar em um ambiente mais tranquilo reforçou em mim que, quando focamos em uma atividade, sem distrações, nosso tempo rende mais, temos a sensação de dever cumprido, de ser útil, além de aproveitarmos momentos de lazer, hobbies, família ou outras atividades que se tornam até mais prazerosas, pois estamos efetivamente presentes em cada uma delas.
Meu segundo grande desafio será manter essa mentalidade no retorno a São Paulo, onde o próprio ambiente nos empurra para a rapidez, para ser multitarefas, para a correria.
Fica aqui uma reflexão: como não deixarmos o ambiente externo contaminar nosso estado interno? É possível?
É, Vô, o senhor deixou muitos ensinamentos que estavam bem ali, na minha frente, mas que só consegui ver agora. Obrigado por ainda ter tempo de colocá-los em prática!
*Artigo publicado em 2023, na coluna A Tal Felicidade, da Revista Veja SP | O texto também é a base do livro Momentos Sabáticos, lançado em 2025
